O presidente Bolsonaro ainda resiste ao que parece inevitável: a redução gradual do estilo centralizador e a divisão de um poder que exerce de forma absoluta à frente do governo.
As mudanças ministeriais desta segunda-feira representam uma cartada radical na mesa de jogo. O presidente dobrou a aposta na radicalização depois de ceder espaços entregues sob pressão da piora nos índices de morte por Covid.
A primeira concessão veio após a reabilitação de Lula, que voltou à cena explorando o fracasso do discurso antivacina do governo, e a reivindicação pelo centrão de mudança imediata no ministério da Saúde.
Bolsonaro demitiu Eduardo Pazuello a contragosto, engoliu a formação de um comitê de gestão da pandemia (que tentou vender como iniciativa sua) e, na sequência, precisou se livrar do chanceler Ernesto Araújo. Não fizera concessões em tempo, começou a perder dedos.
No dia 10/3, o Capital Político alertava para a crise que se formava no comando militar a partir da fala em que Bolsonaro chamava o Exército de seu. “Meu Exército não vai para a rua obrigar as pessoas a ficar em casa”, disse então.
Não à toa, na sua lacônica carta de demissão, o então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, sublinhou seu empenho em preservar as Forças Armadas como instituições de Estado. Um compromisso firmado na entrada e reafirmado na saída.
No curso de sua gestão à frente da pasta, Azevedo foi constrangido pelo presidente a demitir militares que sustentam esse fundamento e resistiram nos cargos à pressão por alinhamento das Forças ao governo da hora.
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Bolsonaro não desistirá desse alinhamento como uma garantia para uma saída pessoal em uma crise mais ampla que se avizinha – na saúde, na economia e na política. A demissão de Azevedo, uma aparente demonstração de força, na verdade o enfraqueceu mais.
O ministério “novo” não fortalece o presidente e seu governo. Continua com titulares aquém da dimensão dos cargos, em alguns casos de forma constrangedoramente nítida. E em tensão com a caserna, onde estica mais a corda.
É comum aos governos a cessão de espaço para consolidar alianças políticas, o que preferencialmente, como ensina a história, é melhor fazer antes de começar o mandato. Governos que seguiram esse manual tiveram vida mais longa com menor instabilidade.
Quando a divisão de poder com aliados se dá sob a pressão do desgaste natural do tempo ela é construída com um governo sem poder de barganha suficiente para ser o acionista majoritário da sociedade. Perde efetivamente poder.
No caso de Bolsonaro não só esse processo de concessões a fórceps começa agora, como se dá em cenário dramático de pandemia, mortes, desastre econômico, social e empresarial.
O governo que sonhou governar na extensão de uma campanha de extermínio da política, estimula a insurreição social para justificar uma intervenção militar de aparência constitucional, que o permita governar sem oposição e à revelia dos demais poderes constituídos.
Por ora, foi contido pelo não de um segmento do Estado essencial a esse objetivo, que são as Forças Armadas.
João Bosco Rabello escreve no Capital Político. Ele é jornalista há 40 anos, iniciou sua carreira no extinto Diário de Notícias (RJ), em 1974. Em 1977, transferiu-se para Brasília. Entre 1984 e 1988, foi repórter e coordenador de Política de O Globo, e, em 1989, repórter especial do Jornal do Brasil. Participou de coberturas históricas, como a eleição e morte de Tancredo Neves e a Assembleia Nacional Constituinte. De 1990 a 2013 dirigiu a sucursal de O Estado de S. Paulo, em Brasília. Recentemente, foi assessor especial de comunicação nos ministérios da Defesa e da Segurança Pública
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