Quando, na década de 1990, a internet foi se popularizando e conquistando cada vez mais pontos no mundo, surgiam protocolos e aplicativos que conectavam as pessoas em salas de bate-papo por horas e horas. Hoje o assunto é nostálgico, pois vamos falar do IRC (Internet Relay Chat), um protocolo de comunicação e troca de arquivos que foi largamente utilizado no século passado, na Internet.
Indice
Os primórdios
Assim como na escala evolutiva da vida, os aplicativos e serviços de computadores também possuem seu ciclo de existência. Eles surgem, se expandem, ganham popularidade e depois caem no esquecimento, pois vão sendo substituídos pelas novas gerações.
O protocolo IRC surgiu em 1988, em servidores de Universidades da Finlândia, e aos poucos foi se espalhando por toda a Escandinávia e ultrapassou fronteiras para ganhar o mundo. Lembra da Guerra do Golfo, de 1993? Pois bem, nela o IRC teve um papel importantíssimo: era o protocolo utilizado para divulgar notícias pelo Oriente Médio em tempo real, e assim, todos os usuários que podiam acessar a Internet recebiam as últimas novidades sobre o acontecimento que marcou a história.
Se a Guerra do Golfo ficou na história geopolítica mundial, o IRC ficou na história da comunicação na Internet. Já em 1995, o protocolo chegou ao Brasil e ganhou popularidade em solo tupiniquim. O final dos anos 90 e o início do novo milênio foram a época áurea do IRC, que utilizava um cliente que muitos se lembrarão com saudade: o mIRC, para Windows.
IRC e mIRC
Afinal, qual a diferença? Simples: se IRC é o protocolo, mIRC é o mensageiro para Windows – por isso o “m” (messenger) antecedendo a sigla. O cliente mais utilizado para conectar pessoas em salas de bate-papo, chamadas canais, e em chats privados, os saudosos PVTs, era então o próprio mIRC.
Um canal de IRC é uma sala com operadores (usuários e bots que administram o canal, em prol de seu bom uso) e usuários que interagem entre si em tempo real. Como o IRC funciona por linha de comando, é regra geral que todo nome de canal criado na rede seja antecedido por uma hashtag (#canal).
Diferente dos mensageiros de hoje em dia, o mIRC se baseava em servidores escolhidos pelo usuário, que por sua vez precisava saber em qual deles deveria se conectar para bater papo em algum canal. Aqui no Brasil, BrasNET e BrasIRC eram os carros-chefes que sustentavam milhares e milhares de usuários batendo papo, principalmente nas madrugadas, já que a internet e a telefonia dividiam espaço na linha e eram cobrados os pulsos telefônicos (um pulso era equivalente a três minutos de uso da linha) para quem estivesse conectado. Quando passava da meia-noite, a taxa era muito mais barata, pois as operadoras de telefonia cobravam pulso único.
Quem dependia de internet discada tinha a seguinte programação para ficar horas e horas no IRC: em dias de semana, após a meia-noite, aos sábados, após as 14 horas e aos domingos, o dia todo – nestes horários, era cobrado apenas um pulso e havia um boom de usuários nos servidores, fazendo a festa no IRC!
Bate-papo no canal e em PVTs
A primeira coisa que um usuário do mIRC tinha que fazer ao abrir o programa era digitar o nome do servidor que desejava utilizar para firmar conexão. Para isso, a seguinte linha de comando deveria ser utilizada: /server irc.brasirc.com.br (ou nome de outro servidor). Na tela do mIRC, o usuário era notificado quanto ao seu status de conexão e sucesso com o servidor.
O próximo passo era escolher um nome na rede, um nickname, ou simplesmente nick. O mIRC oferecia a opção, com interface, para que o usuário inserisse seu nick. Mas, se preferisse, o usuário só precisava digitar o comando /nick Nome (sem caracteres especiais nem espaços). Os servidores contavam com serviços para registro de nicks, uma vez que essa era a única maneira de um usuário ser reconhecido pelos demais. Registrando seu nick, era certo que aquela pessoa estaria conectada, e não outra, utilizando um nick igual. Assim, o serviço conhecido como NickServ ajudava o usuário a manter seu nick protegido e pessoal. E, para variar, um comando que chamasse o NickServ e regitrasse o nick deveria ser aplicado: /NickServ register NICK senha e-mail. Então, para ser identificado pelo NickServ a cada entrada no IRC, o usuário deveria digitar /NickServ identify senha, garantindo sua “identidade” na rede.
Interface do mIRC para nicks, servers, etc.
De nick registrado e identificado no servidor, o usuário teria agora uma nova etapa: entrar em um ou mais canais. O comando, para isso, era simples: /join #canal. Geralmente, aqui no Brasil as pessoas começaram criando canais com nomes de cidades e estados, para facilitar o encontro de usuários de uma mesma região. E assim, foram criados os canais #SaoPaulo, #BeloHorizonte, #Recife, #Campinas, #Uberlandia, #Londrina, #Minas_Gerais, #Goias, #Rio, #Maranhao, #Amazonas e, é claro, o grande #Brasil.
Ao entrar no canal, o usuário tinha a seguinte visão na tela: no centro, as frases dos usuários que se comunicam em tempo real; na lateral, a lista de usuários presentes no canal; abaixo, o espaço para digitação de frases; e à esquerda, acima ou abaixo do canal (isso variava com o gosto de cada um), a barra com as abas de cada canal aberto e cada usuário em PVT.
Usuários (lista à direita) em um canal (#uberlandia)
O PVT nada mais era que um bate-papo privado, um diálogo. No canal, todos viam as conversas de todos, os comentários, as músicas que estivessem ouvindo, as homéricas brigas, advertências, expulsões [os Operadores (@OPs – que poderiam ser pessoas ou bots, programados para cuidar do canal) eram os responsáveis por manter a ordem, advertindo e até banindo os usuários que utilizassem de mau comportamento] e as pessoas que entravam, saíam e caíam.
Bastava clicar duas vezes em um nick da lista para abrir um chat privado com essa pessoa, trocar arquivos, enviar fotos (no mIRC todos eram anônimos e sem fotos, até que abrissem um PVT e se “identificassem melhor”, enviando uma foto e dizendo de onde era, o que fazia, do que gostava, etc.).
Scripts
O mIRC era um programa tão puro, simples e direto ao ponto, que os usuários experientes e programadores resolveram dar uma nova roupagem ao aplicativo. Foram criados os scripts, programas que rodavam em cima do mIRC original, porém oferecendo uma cara nova e criando novas funcionalidades dentro dele: era possível trocar as cores, escrever com letra colorida, em negrito, com efeitos (também precários), utilizar plug-in para mostrar a música que se ouvia, automatizar frases e risadas, criar novos comandos, resumir outros e facilitar a vida do usuário, que não precisava digitar tanto comando ao entrar no IRC (para identificar o nick, digitar a senha, entrar nos canais…) como antes.
O Ultra Downloads conta com bons exemplos de scripts que funcionam até hoje no IRC, como o KiLL-ScRipT e o famoso Cyberscript.
Nem toda fama é eterna
O mIRC fez parte da vida de muitos internautas, mas como era de se esperar, começou seu processo de decadência logo no início dos anos 2000. Entre 2003 e 2004, a nova onda dos Messengers (MSN, AOL e até o ICQ, que era contemporâneo do mIRC) varreu o protocolo IRC da Internet. A novidade surgia, trazendo maior comodidade para o usuário, que abandonava o barco que começava a apresentar sinais de fracasso. Foi o que aconteceu com o mIRC: abandonado e trocado por messengers que fazem sucesso até hoje, com a evolução da comunicação na Internet.
Comparativamente, o mIRC era muito precário em relação ao Windows Live Messenger e ao Skype, programas que dominam o mercado na área, atualmente. Nele, o usuário não utilizava microfone nem webcam, como nos que surgiram depois de 2003. Os fotologs, blogs e redes sociais, como o Orkut, também contribuiram para levar o IRC à decadência. Hoje, o mIRC e o protocolo IRC existem, mas apenas para quem resolveu revitalizar o antigo-bate papo, pois caiu no anonimato e tornou-se desconhecido para as novas gerações.
O IRC hoje em dia
Ele existe. E funciona tão bem quanto nos velhos tempos. Mas obviamente, não possui mais tantos adeptos. Usuários de Linux e suas distribuições utilizam o protocolo para obterem ajuda na Internet, e grupos de saudosistas reativam canais e estão sempre se comunicando pelo antigo e estável protocolo.
Que tal fazer uma viagem no tempo e voltar a ver o velho mIRC na tela do computador? Basta convidar seus amigos, baixar o aplicativo, seguir as instruções do link, se conectar a um servidor e entrar nos canais para conversar com os usuários! E se você quiser conversar com pessoas estrangeiras, basta utilizar servidores que estão na ativa até hoje, como Quakenet, Undernet e IRCNet. Quem sabe você ainda não encontra muitas pessoas interessantes em algum canal?
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