Nem impeachment nem golpe: minha análise sobre o episódio que culminou com a saída dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. E os motivos são claros: as circunstâncias não propiciam o afastamento do presidente pelo Congresso e nem uma quartelada para conferir ao mandatário a condição de ditador ou dar-lhe mais poder além do previsto na letra constitucional.
Comecemos com o momento em que vive o país. A pandemia já levou cerca de 320 mil pessoas. A tragédia causa pavor e impede movimentos, como grandes mobilizações populares. Sem povo e grita social, afasta-se o risco de impeachment, pois os representantes agem com um olho em seus interesses e outro nas ruas.
Na seara dos interesses individuais e grupais, tudo caminha ao gosto do freguês, no caso o núcleo que forma maioria no Congresso. O Centrão aumenta sua influência sobre o presidente. Bastou Arthur Lira mandar um recado no puro idioma franciscano – “os remédios são amargos” -, para o capitão aceitar sua indicação e nomear a deputada Flávia Arruda (PL-DF) como ministra.
O Centrão sabe de sua força junto ao Executivo. E a usará para calibrar a caminhada até a eleição de 2022, se não saltar antes do barco capitaneado por Bolsonaro. Este, por sua vez, precisa dos centralistas para evitar jogadas brutas do time adversário. Portanto, cabe fechar jogar com a seleção parlamentar, atendendo seus pedidos. No Senado, o moderado Rodrigo Pacheco, por sua vez, não pautará matérias polêmicas como impeachment.
Na área militar, teria, sim, havido uma operação traumática, mas longe de provocar sequelas. Com a demissão dos comandantes, o que Bolsonaro conseguiu foi tornar as FFAA mais unidas em torno do ideário constitucional. É o que se pinça de conversas com renomados nomes do Exército. O refrão será entoado: as Forças são instituições do Estado e não de Governo. Por isso, não há clima ou condição para ruptura.
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Pensar diferente é ignorar a trajetória das FFAA. São profissionalizadas. O problema, hoje, é a participação de quadros da ativa no governo. Não há objeção sobre militares da reserva na gestão pública. Mas há forte mal-estar com os perfis ainda na ativa. O general Edson Pujol, ex-comandante do Exército, expressava com força o papel das Forças, rechaçando sua politização.
Ocorre que Bolsonaro tentou trazê-las para seu colo, no intuito de ganhar seu apoio público. Chegou a proclamar: “meu Exército”. Pode-se até inferir que se referia à corporação onde serviu. Mas o pronome abriga a ideia de que a Força lhe dava apoio, engajando-se ao bolsonarismo. Nada mais errado. As três Armas, como instituições de Estado, preservam a republica e todos os eixos que a sustentam.
A disciplina é regra inafastável das Forças Armadas, o que lhe confere respeito e admiração. O critério de antiguidade, por exemplo, é norteador de decisões. Bolsonaro sabe disso. Daí o cumprimento da tradição. O general Braga Netto, agora ministro da Defesa, escolheu entre os mais antigos os três novos comandantes. Solução salomônica e alívio geral.
Em suma, as frentes política e militar deverão atuar com bom senso, evitando fogueiras acesas por oportunistas de plantão (da situação e da oposição). Os radicais não serão alimentados com o menu da baderna. Essa leitura nos afasta de impeachment e de quartelada.
Gaudêncio é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político
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